MÁSCARAS ÓBVIAS

16 julho 2006

Trechos

(...)
- Assim, os mais antigos gregos olharam a inveja de forma diferente de nós; Hesíodo a inclui entre os efeitos da boa, benéfica Éris, *e não era ofensivo reconhecer algo de invejoso nos deuses: compreensível, num estado de coisas que tinha por alma a competição; mas a competição era avaliada e estabelecida como algo bom. De igual modo, os gregos eram diferentes de nós na avaliação da esperança: viam-na como cega e pérfida; Hesíodo insinuou numa fábula a coisa mais forte sobre ela, algo tão estranho que nenhum intérprete recente o compreendeu - pois vai de encontro ao espírito moderno, que aprendeu, com o cristianismo, a acreditar na esperança como uma virtude. Já entre os gregos, que não tinham por inteiramente fechado o acesso ao conhecimento do futuro, e para os quais, em inúmeros casos, uma indagação sobre ele tornou-se obrigação religiosa, quando nós nos satisfazemos com a esperança, ela teve, graças aos oráculos e adivinhos, de ser um tanto rebaixada e degradada em algo ruim e perigoso. - Os judeus perceberam a ira de forma diferente de nós e a declararam sagrada: viram a sombria majestade do ser humano, com que ela se mostrava associada, a uma altura que um europeu não pode conceber; moldaram o seu irado e santo Jeová conforme os seus irados e santos profetas. Medidos por eles, os grandes furiosos, entre os europeus, parecem criaturas de segunda.

* Éris é a personificação da Luta ou Discórdia; Hesíodo distingue entre a Éris maléfica, que apenas incita ao combate destrutivo, e a benéfica, que representa a competição positiva ( cf. Os trabalhos e os dias, vv. 11-26). Na frase seguinte, a outra menção a Hesíodo diz respeito aos versos 90-9 da mesma obra. Em sua tradução de Os trabalhos e os dias (ed. bilíngüe, São Paulo, Iluminuras, 1990), Mary de Camargo Neves Lafer prefere "Expectação", em vez de "Esperança", justificando-o numa rota ( p. 29 ).

( Trecho do aforismo "Os instintos transformados pelos juízos morais", de Friedrich Nietzsche, do livro "Aurora". )

2 Comments:

Blogger Máscaras Óbvias said...

Lendo Nietzsche, o alemão, verifico bem bastante o seu traço iconoclástico e questionador, determinante no seu estilo. Seria isto o que chamam de transvaloração dos valores?...

11:06 AM  
Anonymous Anônimo said...

Eu diria que ele não tem só uma traço.. ele é todo (ou quase, ninguém é perfeito) iconoclastia... e isso faz parte sim do emprendimento da transvaloração de TODOS os valores... Nietzche é Deus e ele está morto...rs

5:15 PM  

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