O dedão da mão esquerda
Eu e Fernando, o Crispim. Fernando, então, era um grande amigo. Pensando hoje, talvez eu gostasse mais dele do que ele de mim. Os graus variam, não? Nuances da vida. Mas pode ser também - e por isso é que coloquei ali em cima "talvez" - que eu esteja enganado quanto a essa observação. Mas foda-se, isso também importa não importa... Tínhamos uma boa relação quando nos encontrávamos. Tanto eu como ele éramos bons de bola - daí, provavelmente, um dos motivos do bom vínculo de amizade. Estávamos entre os melhores dos arredores. Mas nem é isto que quero dizer - considere, vocês leitores, que o que foi dito aí acima, como um preâmbulo de referências caoticamente ordenadas - como a vida! - de um past.
O que quero dizer
O que quero deveras dizer - Ih!, mas "deveras" nem é mais usado mais! Vão pensar que é exibicionismo seu... Pensem o que quiser. Nem eu bem sei, só uso. Mas o que quero dizer deveras nem é tão significante significativo assim. Mas é, digo assim, uma percepção minha de um trecho vivenciado.
Dia de sol, rua e calçada de terra. Em frente à casa do Clair, eu e Crispim, o Fernando, cortando cana. Cana é bom. Meu pai dizia que na sua infância e adolescência, ele escovava os seus dentes chupando cana - segundo o próprio, ele só foi escovar os dentes com escova por volta de seus dezesseis anos... Cada dia mais percebo o tanto da minha ignorância, mas acho que essa teoria de papai é uma ignorância... Pois onde já se viu, escovar os dentes com cana? Original, penso porém. Bem, o fato é que, em certo momento, e em cortando a cana, lasquei eu o gume da faca no meu dedão da mão esquerda e arranquei um pequeno pedaço da pele - pedaço este, diga-se, que no momento do corte se tornou um big pedaço. Vagamente visualizando a lembrança, me parece que a região interna estava esbranquiçada quando a olhei - natural no início de qualquer corte violento, não? Sei que larguei a faca, a cana, o Fernando Crispim, e corri p'ra dentro de casa. Não me lembro se chorei. Acho que sim. Sei que fiz todo um drama, todo um exagero para esse ocorrido. E que, no fim, não era para tanto. Lembro-me também que depois, de lavado, e com band aid no local, saí na rua e dizia aos meus colegas o que havia acontecido. Não deram muita importância, como, aliás, vocês leitores não devem estar dando muita importância a esta minha mal lembrada e escrita recordação, sei.
Mas é fato que até hoje, e até quando eu ainda viver, terei que carregar comigo esta leve saliência, a qual agora toco, no meu dedão da mão esquerda, cicatriz de um retalho do passado.
1 Comments:
A cicatriz no meu dedão da mão esquerda simboliza um retalho de um acontecimento passado. O gume da faca que arrancou um pequeno pedaço da pele lateral do mata-piolho.
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